A ciência é um bem universal que não pode estar fora de discussão

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O julgamento de Galileo, de Joseph-Nicolas Robert-Fleury. (WikiCommons)
4 min. de lectura

 

A ciência é o principal e mais valioso produto cultural do Ocidente. Muitos outros povos desenvolveram artes, tradições e técnicas comparáveis ou superiores aos do Ocidente. A ciência, contudo, está ligada em sua origem e evolução na cultura europeia.

Como muitos outros grandes movimentos culturais humanos, a ciência teve uma origem modesta. Até o século VI da Era Comum, nas colônias gregas, onde, hoje, é a Turquia, alguns homens atreveram-se a conjecturar sobre a natureza das coisas, sem recorrer a mitos ou religiões.

O filósofo Tales de Mileto postulou que, por de trás da enorme variedade de entidades que existe no mundo, deve existir alguma substância ou elemento primordial que deriva, por certos mecanismos, todo o resto. Ele sugeriu que esse elemento é a água. Ainda, mais importante, mais valioso, mais duradouro, foi sua atitude de aceitar a dissidência e a crítica de suas opiniões.

Anaximandro pensou que as coisas que nos rodeiam são muito mais variadas para vir de algo tão prosaico como a água, e, diferente de Tales, postulou uma entidade inobservável, oápeiron, do qual derivam-se todas as substâncias.

Ele foi ainda mais longe: afirmou que a Terra não pode ser um disco que flutua sobre a água, porque algo deveria conter essa água. Na ausência de razões para mover-se em qualquer direção, a Terra deveria simplesmente flutuar equidistante de tudo, concluiu. Portanto, ela não precisa de suporte. Ele tinha inventado o princípio de razão suficiente 2.000 anos antes de Leibniz redescobri-lo. Essa chama de pensamento crítico estendeu-se pelo mundo grego.

Os filósofos pré-socráticos discutiram racionalmente a origem do cosmos, a natureza da mudança, o conceito de conhecimento, a ideia de verdade, a composição de todas as coisas e muito mais. Depois de Sócrates, a busca do conhecimento incluiu os aspectos éticos da vida humana.

Mapa da Grécia Clássica. (WikiCommons)

Na Grécia clássica desenvolveu uma visão de mundo baseada em um método para obter conhecimento, o que resultou em ferramentas que ajudaram a transformar a realidade, da medicina à engenharia social (não é coincidência que a democracia foi instituída pela primeira vez no período grego clássico).

Na época helenística, a ciência e a tecnologia forneceram um grande desenvolvimento, testemunhando a surpreendente capacidade preditiva do sistema astronômico ptolomaico, o desenvolvimento das comunicações, a sistematização da geometria e a criação de instrumentos sofisticados, como a conhecida máquina de Anticítera, um verdadeiro computador analógico projetado para prever posições astronômicas e eclipses.

A ciência incipiente dos gregos, como toda atividade humana, era altamente dependente da estabilidade da sociedade onde se desenvolve. Parcialmente assimilada pelos romanos, o ímpeto da ciência grega diminuiu, embora os desenvolvimentos tecnológicos baseados nela continuaram durante muito tempo. As condições para que seja socialmente possível voltar a investigar o mundo de uma forma racional só voltou no final da Idade Média, quinze séculos mais tarde.

O renascimento da visão racional de mundo, e o aperfeiçoamento do método que, hoje, chamamos de científico voltou a aparecer na Europa – em especial, graças a pensadores e pesquisadores como Grosseteste, Bacon e Galileu.

Os antigos gregos foram prolíficos em hipóteses e conjecturas, mas a experimentação e a contrastação empírica das hipóteses eram fracas (por exemplo, Aristóteles afirmou que a mulher tem menos dentes do que os homens, algo que poderia ter sido resolvido com uma simples observação).

Com Galileu nasce a ciência como a conhecemos hoje: a conjunção de hipóteses e conjecturas, formuladas de forma controlada e exata o quanto for possível, com experimentos e observações para submetê-las à prova e descartá-las, caso seja necessário. A ciência é uma atividade conjectural, racional, crítica, experimental e observacional. Ela fornece um conhecimento verificável e perfectível do mundo.

Esse conhecimento nos dá um poder sobre o nosso ambiente, e, portanto, sobre nós mesmos: o poder de produzir mudanças baseadas em nosso conhecimento.

O desenvolvimento da ciência mecânica e do eletromagnetismo levou à revolução industrial do século XIX. A tecnologia baseada na ciência mudou a civilização por completo, e com ela a vida dos seres humanos.

O desenvolvimento da medicina, a profilaxia, a revolução farmacológica, a produção de alimentos melhorados pelas tecnologias científicas resultaram em uma mudança dramática das condições de existência dos seres humanos no século posterior. Em 100 anos, duplicou-se a expectativa de vida das pessoas que viviam em sociedades que faziam uso da ciência.

A ciência como produto da exportação para o desenvolvimento

Esses e outros sucessos fizeram que a ciência, que, a princípio, é um produto do Ocidente, expandisse em todo o mundo. Hoje, a ciência e a tecnologia baseada nela são valorizadas em todos os países que aspiram ao desenvolvimento sustentável. A ciência se universalizou.

Estaríamos errados, no entanto, se pensássemos que a ciência tenha chegado para ficar, ou que ela não pode desaparecer. Como toda atividade humana, ela está subordinada a evolução sistêmica das sociedades nas quais vivem as pessoas que a desenvolvem. As políticas implementadas nestas sociedades têm um impacto direto na atividade científica. As políticas anticientíficas, ou que ignoram a ciência podem fazer com que ela desapareça e a sociedade retroceda.

Sobram exemplos recentes: Camboja nos anos 1970-1980, sob o regime de Khmer Rouge, voltou à Idade da Pedra em apenas alguns anos. Os países do Oriente Médio retornaram à Idade Média sob a febre do fundamentalismo religioso. Os países latino-americanos, degradados pela violência e populismo, afundaram-se em círculos autodestrutivos que brutalizaram e empobreceram suas populações.

O populismo anticientífico ainda causa estragos nos países que apoiam fortemente a ciência e o livre pensamento, como os Estados Unidos. Nós estamos acostumados a pensar que a ciência e a tecnologia são inevitáveis – nos equivocamos. O desenvolvimento da ciência e tecnologia dependem fortemente de políticas adequadas, e estas, da luz dos governos da volta. Se as políticas falham, a ciência podem retroceder, ou mesmo desaparecer.

Todos os animais podem avaliar seu ambiente. Eles não poderiam sobreviver se não pudessem diferenciar o que é favorável do que é perigoso. O mesmo se aplica às sociedades.

A ciência e o conhecimento objetivo que traz do mundo é o que garante um curso válido de ação que satisfaça as necessidades dos indivíduos.

A ciência é um bem precioso, e sua defesa é uma obrigação para todos aqueles que querem uma vida melhor.


Este artigo foi traduzido por Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira do original na Ciencia del Sur 
e publicado no site Universo Racionalista do Brasil.

 

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